CANNABIS MEDICINAL - NOTA TÉCNICA DA FIOCRUZ
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CANNABIS MEDICINAL - NOTA TÉCNICA DA FIOCRUZ



NOTA TÉCNICA

Estado atual das evidências sobre usos terapêuticos da cannabis e derivados e a

demanda por avanços regulatórios no Brasil


19 de abril de 2023


Esta Nota Técnica do Programa Institucional de Políticas de Drogas, Direitos Humanos e

Saúde Mental da Fiocruz tem como objetivo fornecer subsídios embasados na literatura

científica para as instituições responsáveis pela legislação, regulamentação, pesquisa,

produção, padronização, distribuição e uso da cannabis e derivados para fins terapêuticos

no Brasil, bem como para a sociedade em geral. Com isso, busca-se contribuir para o

aprimoramento do conhecimento acerca do tema e para o avanço do acesso aos

tratamentos baseados em cannabis e derivados.


A cannabis é uma planta utilizada para fins terapêuticos há milênios e seus efeitos vêm

sendo reconhecidos por diversas culturas ancestrais e contemporâneas. Contudo, as

evidências científicas sobre a eficácia e segurança dos potenciais usos terapêuticos da

cannabis e de seus derivados ganharam volume somente nas últimas décadas. Mudanças

nas regulações internacionais e nacionais têm contribuído para este avanço.


Em 2020, a Comissão de Drogas Narcóticas da ONU retirou a cannabis de sua lista mais

restritiva (a Lista IV), a partir de recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). A

retirada da cannabis da lista significa que a planta deixou de ser considerada uma droga

com alto potencial de abuso e sem qualquer valor terapêutico.


A alteração permite o reconhecimento das potenciais propriedades terapêuticas da

cannabis e de seus derivados. O novo status possibilita uma mudança correlata das

regulamentações nacionais dos países-membros que ratificaram os tratados vinculantes

das Nações Unidas sobre o tema, como é o caso do Brasil. Vale ressaltar que a legislação

brasileira em vigor (Lei 11.343/2006, atualizada pela Lei 13.840/2019) permite o uso médico

e científico de todas as substâncias controladas pelos tratados internacionais, o que inclui a

produção nacional de cannabis. Atualmente, dezenas de países em todos os continentes,

incluindo o Brasil, regulam o uso terapêutico da cannabis e seus derivados.


Diante deste contexto, o Programa Institucional de Políticas de Drogas, Direitos Humanos e

Saúde Mental da Presidência da Fiocruz apresenta esta Nota Técnica, com o intuito de

contribuir com subsídios da literatura científica para as instituições responsáveis por

diferentes aspectos relacionados a regulamentação, pesquisa, produção, padronização,

distribuição e uso da cannabis e seus componentes para fins terapêuticos, assim como para

toda a sociedade.


Nas últimas décadas, um número crescente de pesquisas aponta para o potencial

terapêutico de canabinoides, entre eles o canabidiol (CBD) e o delta-9-tetrahidrocanabinol

(THC), para diferentes condições clínicas e enfermidades. Essas pesquisas apresentam

diferentes níveis de evidência, ou seja, para cada condição existe, no presente momento,

maior ou menor robustez científica que comprove a segurança e eficácia da aplicação

terapêutica.


As pesquisas com maior nível de evidência – ensaios clínicos, revisões sistemáticas e

meta-análises – são conclusivas ou substanciais para algumas condições de saúde quanto

a segurança e eficácia dos canabinoides na redução de sintomas e melhora do quadro de

saúde. Destacam-se as seguintes condições:


Dor crônica – Diferentes formulações contendo canabinoides apresentam uma redução

significativa da dor em pessoas diagnosticadas com certos tipos de dor crônica. Dezenas de

ensaios clínicos randomizados submetidos a meta-análises mostraram que a redução da

dor foi maior no grupo que recebeu canabinoides em relação ao grupo controle.


Epilepsia refratária – estudo de meta-análise com seis ensaios clínicos randomizados

demonstrou diminuição significativa nas frequências de crises no grupo tratado com

canabinoides em relação ao grupo controle. Em geral, os participantes eram resistentes aos

medicamentos de referência e encontraram nos canabinoides um tratamento eficaz para

atenuar as crises convulsivas.


Espasticidade – mais de uma dezena de ensaios clínicos randomizados mostraram efeito

significativo do tratamento com canabinoides na redução da espasticidade decorrente de

esclerose múltipla. Outros sintomas associados à esclerose múltipla não apresentaram

melhora com o tratamento em teste.


Náusea, vômitos e perda do apetite – os canabinoides foram eficazes na redução de

náuseas e vômitos ligados à quimioterapia. Limitações metodológicas fazem os resultados

ainda apresentarem baixo nível de confiança. Uma meta-análise mostrou a eficácia dos

canabinoides em aumentar o apetite em comparação aos grupos controle.


Transtornos neuropsiquiátricos – como a doença de Parkinson e distúrbios do sono -

mostraram melhora significativa dos sintomas, com o tratamento com canabinoides em

relação ao controle com um nível de evidência satisfatório.


Para além das citadas acima, a potencial segurança e eficácia do uso terapêutico dos

canabinoides vêm sendo pesquisadas para dezenas de outras condições. Destacam-se as

seguintes: sintomas associados ao Transtorno do Espectro Autista (TEA); atividade

anticancerígena em determinados processos tumorais; síndrome do intestino irritável;

doença de Huntington; esclerose lateral amiotrófica; artrite reumatoide; doenças

metabólicas e cardiovasculares; síndrome de Tourette; distonia; demência e glaucoma. Há

ainda estudos sendo desenvolvidos para transtornos psiquiátricos, tais como os sintomas

associados aos transtornos de ansiedade, de humor, psicóticos, por uso de substâncias, de

déficit de atenção e hiperatividade, de estresse pós-traumático e afetivo bipolar.


Para as condições citadas acima, as evidências disponíveis ainda se apresentam em níveis

baixos ou inconclusivos, o que expressa a necessidade de mais estudos com diferentes

metodologias para determinar possível benefício terapêutico e segurança do tratamento

com canabinoides para as mais diversas condições de saúde.


Vale ressaltar que, para cada uma das condições apresentadas, o uso de um ou a

combinação de dois ou mais canabinoides, em diferentes formas farmacêuticas, foram

responsáveis pelos resultados efetivamente terapêuticos. A bibliografia científica detalhada

para cada condição encontra-se nas referências abaixo.


É fundamental avançar ainda mais no desenvolvimento de pesquisas que aprofundem os

potenciais terapêuticos da cannabis e dos canabinoides para diferentes condições e

enfermidades. É importante apoiar mais pesquisas no Brasil, com parcerias nacionais e

internacionais, avançando na realização de estudos clínicos de diferentes condições,

acompanhando a tendência mundial de ampliação e diversificação das pesquisas.

É necessário ampliar a capacitação de médicos e outros profissionais de saúde sobre o uso

terapêutico da cannabis e seus derivados, para que possam prescrever e tratar com mais

confiança e conhecimento. Além disso, é necessário avançar na regulação dos produtos à

base de cannabis, para que sejam produzidos nacionalmente e distribuídos de forma segura

e eficaz. Por fim, também é necessário ampliar o acesso dos pacientes a estes tratamentos,

inclusive fortalecendo e instrumentalizando as iniciativas associativas. O acesso deve se

dar através do uso de diferentes apresentações fitoterápicas e farmacêuticas, incluindo os

produtos com maior concentração de THC, quando indicado.


Vivemos um momento de expressivo crescimento do conhecimento científico sobre o

potencial terapêutico dos canabinoides. Consideramos crucial que o Brasil se posicione na

vanguarda deste processo, investindo decididamente na produção científica nacional. É

indispensável assegurar, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), uma regulamentação

abrangente e eficiente, que viabilize a produção, prescrição e acesso gratuito e universal

pelo Sistema Único de Saúde - o SUS - a uma ampla gama de formas farmacêuticas da

cannabis e derivados, sempre respaldadas por evidências sólidas de segurança e eficácia

terapêutica.


Programa Institucional de Política de Drogas,

Direitos Humanos e Saúde Mental da Fiocruz


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18/04/2023


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O texto da Nota Técnica foi transcrito na íntegra. Acesso a publicação neste link nt_canabinoides_20230419.pdf (fiocruz.br)



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